
A quarentena desperta o que há de melhor e pior em nós.
Há dias em que estamos puro amor e cumprimentamos o sol, fazemos carinho em almofada e beijamos planta.
Outros em que tacamos lysoform no vizinho, arremessamos a louça na parede e botamos fogo no jardim (tudo isso de máscara, seguindo as recomendações da OMS).
Normal.
Na quarentena, a gente casou com a gente mesmo e a essa altura o relacionamento já está bem desgastado.
Tem gente divorciando de si.
A verdade é que aquelas questõezinhas internas, profundas, que anestesiávamos com eventos sociais e viagens, empurrando para as profundezas do nosso oceano emocional, resolveram dar um alô na superfície. E aqui estamos, lidando com esse casamento em regime de comunhão parcial de medos, descobertas e amor.
Só que a gente assinou esse contrato nupcial sem ler. E, lá nas letras miudinhas, estava escrito que ia chegar um processo de dor, angústia e reflexão.
Tinha também um asterisco dizendo que tudo, absolutamente tudo, viria à tona.
A quarentena tem feito a gente enxergar a nossa vida de drone.
Entramos em um enorme raio-x, capaz de detectar todas as feridas internas e transformá-las em fraturas expostas, bem na nossa frente.
“Cure-as agora ou somatize para sempre”, disse o padre.
Pois eu, Mariana, aceito Mariana como meu legítimo amor, e me prometo ser fiel, amar-me e respeitar-me, na pia cheia e na vazia, nos bad har day e nos good, na cara com e sem espinha, na alegria e na tristeza, por todos os dias da minha vida.
Eu me aceito.
Aceito quem sou.
Aceito que sou ótima para algumas coisas.
E péssima para outras.
Aceito meus dias bons.
E também os dias tristes.
Aceito que tem muita bosta acontecendo no mundo e que não tenho gestão alguma sobre isso.
Também aceito que é possível ter consequências positivas de situações bosta.
Aceito, inclusive, que é tudo bem estar bem enquanto o mundo está mal.
Aceitação.
Li, aceito e concordo com os termos de uso da vida.